Do you remember that I used to sing?

Hoje olhei pra trás e me dei conta que um dia eu pensei que cantaria pra todo o mundo ouvir. Esses dias entendi que esse não é meu futuro, nem meu presente. É um arremedo, uma agonia, uma frustração. Eu não sou bom o suficiente pra fazer com que pessoas de todo o mundo admirem aquilo que eu faço, mesmo que seja aquilo que faço melhor. Dói pensar assim, dói saber disso. As músicas que tocam minha vida e que fazem com que eu seja uma pessoa atraente pra mim mesma são perfeitas demais e quem dera eu tê-las criado. Mas não fui eu. E elas não são assim perfeitas pras pessoas que eu as apresento. E assim como provavelmente elas, não lembro de ter criado nada de relevante à humanidade. E sim, isso é fato extremamente desconfortável pra alguém como eu, tão afeito ao universo.

A fine day to exit…

Quando o vento soprou, a janela fez aquele barulho horrível e ele abriu os olhos. Sabia que era hora de cumprir o que chamam de destino. Levantou-se calmamente, colocou colírio nos olhos. Duas gotas em cada lado. Voltou pra cama com a desculpa de fazer o remédio alcançar os recônditos de seu equipamento ocular. Gostava de dar desculpas pra si mesmo, especialmente usando palavras difíceis e em situações que envolvam preguiça ou quaisquer outras pecados capitais. Dez minutos depois se levantou definitivamente, de sobressalto, assustado com a hora. Tomou uma ducha rápida, escovou os dentes, depois os cabelos, pôs uma roupa de casa e saiu do quarto.
Morava só, apesar de ter sido casado duas vezes, por 3 anos cada (ou talvez por isso mesmo…). Não conseguia adaptar-se aos costumes alheios. Ria-se com o pedaço de pão-de-ontem-com-margarina ao lembrar da última esposa. Magrinha e comilona, bonita e fechada, sincera e castradora, doce e ciumenta. Um poço de contradições que caiu em seu colo após uma noite mal-dormida de um bate-papo internético. Casaram-se 1 mês depois do segundo encontro. Ela de vermelho, ele de fraque e cartola. Passaram a lua de mel na Áustria, e aquilo o fez endividado por vários anos. Mordia os lábios de pensar no corpo, mas a lembrança da voz fina o fazia pensar duas vezes antes de ter desejos sexuais com aquela mulher. Ele faria qualquer coisa que ela pedisse. Deu uma gargalhada pensando que não transava há meses. Gostava de se sentir amado, mas gostava mais ainda de sentir duas mãos a segurar seu falo. Nunca dissera pra ninguém, mas pensava em ter uma experiência homossexual, “já que com mulher não deu certo”, pensava. De qualquer forma, isto agora pouco lhe importava. Chegara a hora.de cumprir o que achava que era seu destino. Mesmo que no fundo não tivesse certeza de nada.
Pegou sua sacola nike preparada desde sempre. Fez menção de esforço para levantá-la, mesmo que não fosse uma sacola pesada. Ria-se nervoso quando lembrava da vez que brigou no colégio, e após dar um chute no garoto disseram: Nunca alguém apostaria em você! A lembrança era que nem ele apostaria em si mesmo. A impressão que dava era que não era grande coisa e nem que mudasse seria. O que não era, não era. Todo mundo sabe disso.

Quando saiu, despediu-se da casa. Teve medo e um sentimento de culpa monstruoso que o fez parar e fitar tudo. Ele podia simplesmente voltar e fingir que era um dia como outro qualquer. Mas ele tinha certeza de que precisava fazer. E Queria. No fundo sabia que talvez estivesse errado, mas o desejo de ser único cega qualquer chance de razão exarcebada. Sempre fora um cara comum, irrelevante até. Era chegada a hora de provar seu valor. Valor este que o próprio duvidava que tinha. Você duvidaria também.
Ao sair, a mente tocava uma música que dizia:

¿I start to cry and I keep on laughing
I close my eyes at what’s left inside
And then I’ll run away, run away, run away¿

Não podia ser mais interessante a letra e o momento. Cantarolou e sorriu pra moça que saia ao corredor. Sua vizinha mais bonita e menos simpática. Sempre se imaginava deitado nu ao lado dela. Mas mesmo sendo apenas imaginação, ela nunca tirava a roupa. Nunca veria aqueles seios brancos, quase transparentes.   A vida tem dessas coisas. Pensava em como as pessoas se preocupam com coisas sem sentido. E em como ele tinha atração por gente branca, mesmo sendo moreno, quase negro. Aquilo também não era importante. Entrou no elevador e apertou no andar da garagem. Entregou as chaves do apartamento na portaria dizendo: – Guarda pra mim? E ria-se pra dentro pensando: – Seu babaca, não preciso mais disso. Entrou no carro, conectou o celular no som e continuou a ouvir a música que agora dizia:

¿To all the time in this land
And all the time in my hands
Circle Round in depth found
Calmness Fall once again¿

A música trouxe calma. A calma que precisava para tirar de dentro da sacola o cheque, sem precisar tirar as 3 mudas de roupas do lugar. Ao estacionar no banco pensou em voltar. Pra que? Sorriu para o manobrista, entrou na fila do caixa. Leu uma placa que dizia que se ele não fosse atendido em 15 minutos poderia processar o banco. Marcou no relógio. Foi atendido em 17. Resolveu não criar briga por meros 2 minutos e pediu pra sacar o cheque, em notas de 20 e de 50. A moça do caixa pediu alguns minutos pra fazer a validação do cheque. Ele cantarolava baixinho: I eat my hands ‘cause my legs are crying e quando ela voltou já tinha as mãos suadas. Ela disse: – Senhor, queira me acompanhar. Ele foi. Resoluto. Tremendo como tremem os delírios. Pronto para ser preso. O gerente era a cara do Mark Rufalo e o recebeu de braços e sorriso aberto, perguntando: – O Senhor não gostaria de tomar um café? Tenho uma máquina daquelas vermelhas de espresso. E com as xícaras bonitinhas compradas na imaginarium nas mãos, o tal gerente destilou todo seu veneno com frases do tipo: – Que tal multiplicar sua fortuna por 3 em dois anos? Taxas de juros, fundos de investimento e todo o resto. Como resposta um sorriso cabisbaixo, quase tímido. Disse que não interessava. Entregaram-lhe finalmente a maleta. Escutou ao fundo um carro de som anunciando ofertas do supermercado. Pensava que nunca tinha comprado carne de segunda a oito reais o quilo.
Quando entrou novamente do carro, abriu a maleta. O dinheiro em excesso arrancou-lhe um suspiro. Pensou nos filmes e tirou uma nota de cem, estendendo ao manobrista. Pensou fingidamente raivoso que não queria notas de cem. O que ele queria mesmo era fugir dali. O dinheiro não era dele, mas estava a serviço de algo muito maior. Nunca soube explicar as vozes que lhe guiaram até ali. Nem as incontáveis sessões no psicólogo amigo dos seus pais conseguiram provar que aquilo era apenas invenção de uma cabeça doentia e psicótica. ¿- Ele era apenas um rapaz comum, com as neuras que todo mundo tem. Ouvir vozes, amigos imaginários, dá sempre na mesma…¿ Até porque vozes que comandam crimes organizados e ocasionam situações embaraçosas são humanas demais. E medo mesmo a gente tem do que não conhece. De resto só respeito, admiração ou desprezo. Olhou pro dinheiro, lembrou-se da ordem de dirigir-se para o leste. Sabiam que ele era bom com mapas. Mas não do fraco por loiras. Até porque parecia provocação ter que ir até o encontro de uma moça loira, a sua espera, 400 km dali. Lembra de ter perguntado ganharia algo pela obediência cega. A resposta fora sim.
Em alguns segundos, parou e fitou um outdoor na saída da cidade. O anúncio dizia: ¿Novo Home Theater Philips digital 70 polegadas: tenha o controle de sua vida¿ Pensou em o quanto ele sempre quis ter controle sobre sua própria existência. De súbito, fez um retorno no meio do nada. Estacionou o carro junto ao meio fio, em frente a uma loja falida de cds. Chorou. Enquanto chorava olhou para o dinheiro todo amontoado no seu carro. Um fio de sanidade acometeu o pobre ser dominado pela sensação de loucura, que agora já dava ré para entrar em uma ruela e cruzar toda a cidade de volta, quase voando, ouvindo músicas de rock e sem pensar muito no que era certo. Quando viu a placa avisando de sua chegada à saída oeste, a que dava em uma estrada interestadual, ele sorriu nervoso. Sorriu até gargalhar. Deu um gesto obsceno ao ar aleatoriamente e sentiu que era poderoso, vilão de filmes americanos. Pensou na ex-mulher chamando-o de louco. Podia mesmo ser louco, mas tinha mais de 2 milhões em notas de 50 e de 100 aquela manhã. Passou pelos guardas da barreira policial e recebeu um desejo de: – boa viagem, vai com deus irmão.
Refletiu que aquele sim era o motivo de sua existência. Que criara tudo aquilo pra admitir pra si mesmo uma mudança de vida que ele sozinho não comportava. Inventara as vozes na sua mente pra ter algo mais forte que ele no comando. Precisava de segurança, precisava de muito mais do que somente ele poderia dar. Quis inventar um jeito de ser único e provar pra si mesmo que era especial. E agora que havia se dado conta de que era muito mais engenhoso que poderia pensar, tinha mais dinheiro do que sequer conseguiria imaginar existir no mundo. E sabedor de suas então inertes habilidades agora poderia ser alguém mais confiante. E iria comprar tudo e todos. Até óculos como aqueles dos quadrinhos, que dá pra ver através das roupas das mulheres. Adorava pensar em todos os presentes que ele nunca ganhara tornando-se realidade, um a um. Mulheres e muita diversão. Queria mandar adesivar o carro com essa inscrição. Queria viver perto do mar, longe de poluição e gente estressada. Desligou o som no momento que viu a placa que lhe avisava que estava oficialmente na BR, à leste do centro de sua cidade pra ouvir as árvores. Ouviu apenas um pequeno ¿PI¿ e não teve pena ao pisar no acelerador. Queria chegar logo, queria uma casa grande, várias mulheres, comida diferente. Queria ver uma olimpíada de inverno, queria saltar de um penhasco, queria…
O estrondo não teve baque, silencioso e fatal. O Carro capotou 3 vezes antes de sair da pista. Encontraram o corpo carbonizado. Disseram que a bomba estava amarrada ao escapamento.