Edward Said, um pensador de quem gosto muito, disse em sua biografia algo que, apesar de parecer contraditório, já deve ter sido experimentado por todos que deixaram sua terra natal para viver em outro lugar. A frase dele é assim:

viagem pra onde mesmo?

“Algo como a invisibilidade daquele que parte, a saudade que sente e a que deixa talvez nos outros, somada à intensa, repetitiva e previsível sensação de desterro que nos arrasta para longe de tudo o que conhecemos e que pode nos confortar, essas coisas nos fazem sentir a necessidade de partir por causa de alguma lógica anterior, mas autocriada, e de uma sensação de arrebatamento. Em todos os casos, porém, o grande temor vem do fato de que a partida é o estado de ser abandonado, muito embora sejamos nós que estejamos partindo.”

André, ao me chamar para escrever no Cosmopovilas, disse que isso se devia, além das “afinidades eletivas”, basicamente, ao fato de eu ter uma relação com a escrita e, concomitantemente, com as viagens. Ao atentar para essa afirmação, pensei que o melhor jeito de inaugurar o quartinho que me reservam nessa vila de amigos viajantes seria dizer um pouco de mim e das caminhadas que tenho realizado de uns anos pra cá.

Ao contrário do palestino Edward Said, meus deslocamentos não começam na infância. Nessa época, eu não viajava a lugar nenhum, por conta, além do trabalho dos meus pais, também de uma família extraordinariamente pequena e toda residente na capital de Fortaleza. A extrema fixidez de então gerou em mim duas características, a rigor impossíveis de coabitarem: o apego por meu lugar de origem e uma ânsia visceral por viajar. Acontece que, fruto dessas duas características, eu não consigo estar em casa sem sonhar com viagens, nem viajar sem desejar a minha casa. Para complicar a situação, eu mudei de estado para estudar. Agora que vivo em Belo Horizonte, tenho dois lares para sentir falta e, mesmo em casa, me sinto viajando. Tendo me tornado essa pessoa clivada, partida, cheia de afetos por todos os lugares que passei, encontrar essa vila no meio do caminho – de todos os caminhos – é mais do que propício. Nas próximas passagens, contarei alguns causos a vocês.