Suei. Caminhar alguns minutos de salto alto e roupa social cansa. Não sei ao certo se agradeço aos céus por ter feito um dia quente ou se praguejo alguma coisa do tipo ” essa cidade tem um tempo maluco”. Chego em casa já largando a bolsa para um lado, o sapato alto para outro, o casaco (que pela manhã bem cedo fez-se necessário para me proteger do frio glacial) neste momento está empapado de suor dos meus braços. Jogo tudo num canto e e deixo a água morna, quase fria, levar este calor embora.

Nada melhor do que após um bom banho colocar uma camiseta grande e me deixar levar pelas inutilidades da internet e conversas gostosas. A janela está aberta, o frescor que a água proporcionou já começa a me incomodar, fecho a janela. Minhas mãos geladas disputam com o rosto e o restante do corpo quente. Papo está bom, mas está a hora de ir para faculdade.

A dúvida agora é: lá fora tá quente ou frio? Ponho um vestido com um casaco por cima. Surprendo-me com o calor da noite! Siiim, calor! O casaco fica no carro, afinal não são todas as noites que se pode usar vestido e sandálias. Mas na faculdade o frio volta a encher o saco. Mas dessa vez não é o frio que sinto quando o tempo despenca 5 graus sem aviso prévio. É o frio na alma, aquele frio que tento esquentar com um sorriso de boa noite ou um “como vai” para um conhecido. Este frio parece ser transmitido, como se transmite uma cultura, um hábito ou uma doença, ele só vai embora quando me cerco de pessoas “quentes” , e devo explicar para os senhores que pessoas quentes estão em falta no mercado curitibano.

Na hora de voltar para casa, nas ruas perfeitas da cidade bem sinalizada dá vontade de estar num lugar que conheço muito bem e em que nada parece com a beleza de Curitiba, mas no entanto um certo tipo de calor que existe por lá me faz tão bem…

redes nos rios

redes nos rios

Olhei essa foto perdida no meu notebook e pensei em contar sobre esse lugar: em dezembro de 2009 fomos eu e minha namorada visitar um parente querido na não menos querida cidade de Maués, no Amazonas. Uma das coisas que temos em comum, além do gosto por bons vinhos e pelo apreço a boas companhias (inclusive a nossa própria ;D), é o fato de termos fortes laços com o interior do Amazonas. Minha querida mãe já escreveu dois livros com enfoques psico-sociais acerca das belezas do tal “beiradão” amazônico, mas com certeza foi meu pai quem me deu a certeza de que nunca poderia fugir a minha origem cabocla. Ela nasceu por lá, isso por si só já diz muita coisa.

Foi num barco, especificamente numa rede, que eu recebi a notícia de que não tinha passado entre os 40 de engenharia da computação. Mas que tinha nota o suficiente pra escolher qualquer outro curso do Instituto de Tecnologia da Amazônia. Perguntei ao meu pai, frente às opções dadas (engenharias mil: mecânica, de produção, elétrica, civil e florestal) qual ele escolheria. Ele me disse que o curso que tinha vontade de fazer era florestal, dada a ligação que ele achava que a área de conhecimento tinha com a sua origem amazônica. E essa decisão refletiu pro resto de minha vida, uma vez que nunca achei uma floresta – ao contrário de uma rede, ao vento – um lugar que pode-se chamar de aprazível.

Mas 10 anos após esta decisão, eu mal podia lembrar como era estar numa rede, navegando por um imenso rio. Não fazia tanto tempo assim (os 10 anos) que tinha estado em situação parecida, mas olhar pra águas barrentas e sentir o vento mentiroso, aquele que faz parecer que você está no clima mais perfeito do mundo quando na verdade é exatamente o contrário, no rosto me trouxe sensações singulares.

Tudo bem que a experiência de 600 pessoas apinhadas em um mesmo lugar, lugar este minúsculo perante a imensidão do rio que te cerca, não é lá das mais românticas; a viagem dura cerca de 18 horas e eu juro que não dormi meio segundo sequer. Mas lembrei de quando íamos conhecer municípios que a maioria dos brasileiros só conhece quando acontece alguma desgraça que passa no jornal nacional. Era época de descobertas e travar contato com a simplicidade do interior amazônico é experiência, na falta de adjetivos, singular. Engraçado quando se é adolescente imaginar que se está indo em lugares tão distantes e inóspitos. Fato que mesmo os amazonenses, em geral, pouco conhecem sobre os gigantes municípios do seu estado: Pra ilustrar,Maués possui cerca de 26 vezes a área do município de São Paulo e ocuparia 99% dos países baixos, em quantitativo de área.

Isso pra dizer que a mesma sensação que eu tenho de ser um pontinho insignificante quando ando pela Av. Paulista eu tenho quando me vejo no meio do rio Amazonas. De uma maneira diferente, é verdade, mas a mesma sensação de impotência me afeta. Pra melhorar o céu da região exibe tantas zilhões de estrelas que ao contempla-lo a sensação de nada, de vazio, de absurda insignificância torna-se mero detalhe. Extasiados, os mortais podem apenas meditar sobre suas vidas e tentar traçar novos caminhos de existência. Ou talvez se importunar por ter que cheirar o pé alheio, ter que aguentar pessoas diminutas correndo ou jogando plásticos de bombons rio abaixo, ou mesmo ter de ouvir até as 23:59 um forró-brega-sertanejo-pagode da melhor qualidade em volumes que beiram a insanidade. Mas isso são apenas pessoas…

Fato é que quando a gente estuda sobre redes (quaisquer delas) como as redes sociais e quando vê as imagens de satélite dos rios da amazônia, é impossível não pensar nas inúmeras relações entre forma e conteúdo. E o mais divertido: impossível não pensar que o transporte fluvial na Amazônia poderia ser além de poético, estudo de caso para as mais diversas ciências. Mas se eu pudesse escolher uma, seria a filosofia, ou meramente o poder de pensar na vida olhando pra correnteza do rio.

Meu nome é André e sou uma amante das reticências. Eu tinha outros blogs (ainda tenho uns dois, trabalho e coisas pessoais demais pra serem divulgadas) e um dia desses resolvi que queria juntar algumas das pessoas que eu gosto e que escrevem bem (não é exatamente um pré-requisito para o meu gostar) num blog. Como numa casa, ou uma vila. E o tema que há em comum entre eu e quase todo mundo que gosto muito é o fato de morarmos longe de onde nascemos, e de amarmos o fato de a vida ser uma grande e longa viagem.

Na verdade a idéia pra escrever sobre lugares surgiu quando eu andava por um plantio de tangerinas com meu pai. Poeticamente ali, senti na veia o puro naturalismo: eu sou o resultado dos ambientes onde cresci, do mato à cidade grande, do concreto à terra batida, dos rios da amazônia aos shopping centers. Os paradoxos dos lugares são tantos pra serem colocados em palavras que talvez a observação clara e simples daquilo que nos tornamos pudesse ser o jeito ideal de mostrar como faz todo o sentido do mundo dizer que os lugares são parte essencial daquilo que chamamos de essência. Mas precisamos nos comunicar, ainda mais em tempos difíceis para os amantes das palavras bem-ditas-e-escritas.

Assim, vou chamando aos poucos todo mundo, pra cada um falar de um lugar ou de mais de um. Obviamente que as pessoas que falam de lugares tem lá os seus personalismos e mais falam de uma visão e de experiências acerca de um lugar do que do lugar propriamente dito. Mas pouco importa, eu quero que elas venham aqui e possam usar este espaço como um lugar que podem falar o que quiserem sobre seus lugares. Em termos práticos a idéia é que quem leia esteja preparado pra encontrar poesia sobre uma praça em Belo Horizonte, ou considerações gastronômicas sobre o bairro do bexiga em SP.

Porque no final todos estamos em saguões de aeroportos e de hotéis, a espera do destino final. Enquanto isso escrevemos textos simples, leitura rápida, mas sempre com mais de 140 caracteres, mantendo a intimidade e o charme que só as vilas-saguões possuem.

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